Arquivo mensal: outubro 2011

Pratos de Visita

Afinidade não se explica.

Como conseguir colocar em palavras a persistência de convivências que poderiam ter sido tão facilmente esquecidas com o acúmulo de horas, dias e anos, mas que sobrevivem a tudo sem absolutamente nenhum motivo aparente?

Por algumas vezes, nem a própria afinidade é tão visível assim. Você a sente, mas não consegue enxergá-la. As diferenças são muito grandes! Até constantemente se lembra de que não há motivo racional nenhum para estar ali. Mas você definitivamente está. Ah, e como está! E dali você não sai. Dali ninguém te tira!

“Because something is happening here, but you don´t know what it is. Do you, Mr. Jones?“.

Ainda assim, é preciso ser muito sábio e cuidadoso, pois as pessoas se contestam o tempo todo.

Tão acostumadas com a falta de beleza, com a vulgaridade nas relações, se mostram tão desconfiadas que reduzem si mesmas a meras sacanagens em potencial. Mas não, não é tudo uma grande e incalculável diversão!

Acontece que nem toda atenção que venha sem avisar é displicente e esquecível.

Nem todo desejo almeja apenas colocar o outro num pódio de possíveis prazeres ou conquistas.

Às vezes, as tais “sacanagens” sem verdade saem caro demais pra falta de sucesso em conseguir preencher a cama alheia.

Mas no final das contas, as “ligações inexplicáveis” existem e fazem parte do ciclo e do que é belo na vida.

Pelo menos uma vez enquanto vivermos, ela trará alguém que se tornará nosso retrovisor de vontades em um carro roubado e sem seguro.

Um amuleto invisível.

Nossa teimosia delicada.

Solidariedade afetiva.

Imaginação plena.

Continuidade e descontinuidade.

Nossa mais nobre delicadeza.

Alguém que motivará pratos de visita postos indefinidamente à mesa, prontos para uma nova refeição, aconteça ela um dia, vinte anos ou nunca mais após o último encontro.

A vida o faz, para que não esqueçamos de nossas limitações, para que paremos de acreditar que podemos ter tudo e, ao mesmo tempo – ainda que com um milhão de “nãos” – construamos uma ingênua, praticamente infantil esperança. Talvez a vida o faça até para nos lembrar que aquele sorriso que aparece sem querer no canto da boca em um dia difícil é algo bem quietinho e exclusivamente nosso. Nossa ternura em forma de segredo que ninguém tem o direito de julgar.

As “ligações” acontecem de maneira misteriosa enquanto dormimos, nos dirigimos ao trabalho ou até mesmo enquanto lemos a frase de um texto que nada tem a ver com este assunto. Acontecem enquanto somos, pois elas simplesmente também só são, sem culpa alguma, ainda quando não queremos. Pois no ser humano existe o bem, o mal, e aquilo que é tão honesto que acaba sendo maior que estes dois e, por isso, se encaixa em ambos e em nenhum.

Todos nós podemos escolher aonde ir e o que fazer. É sábio pesar as consequências de tudo e, às vezes, é mais prudente decidir que o melhor é não sair do caminho já conquistado. Porém, sempre existirá a cabeça no travesseiro e a bonita curiosidade daquilo que não temos como saber. Haverá sempre a eterna discussão que silenciosamente grita dentro da gente e nos divide entre aquilo que podemos e o que não podemos controlar. E tudo bem…

Ainda há beleza em rir de nós mesmos, calar a boca para sempre e tentar deixar ir embora o que nunca foi nosso, mesmo que isso tenha que acontecer com muito esforço todo café da manhã, todo almoço, toda noite… todo santo dia.

Paula Febbe